Drauzio Varella é um médico de amplo histórico humanista. Ateu, nunca precisou de um deus que castiga para lhe apontar os caminhos virtuosos. Seu comportamento humano não espera recompensas no céu e nem teme por torturas em um inferno. Recentemente, ele foi alvo de um linchamento moral da direita. Na verdade, não foi a direita toda, sejamos justos, apenas a ala dos estúpidos.
É que Drauzio realizou reportagem para o Fantástico mostrando o drama de presidiárias transexuais. Solidão, abandono, descaso. Ao conversar com Suzi, uma detenta, se sensibilizou com o sofrimento de um ser humano diante dos seus olhos, e a abraçou. Não perguntou seu crime, não quis saber seus antecedentes, apenas abraçou, por compaixão. E quem sente compaixão age assim, sem colocar condições, apenas age, acolhe.
Mais tarde, a patrulha da internet descobriu que Suzi cometeu um crime horrível, estuprou e matou uma criança. Uma verdadeira barbaridade. Drauzio não sabia, não estava ali para julgar ou punir ninguém, era um médico, não juiz. Mas nada disso diminuiu a ira do tribunal das redes sociais. O humanista Drauzio virou um defensor de bandido, homenageando monstros que não mereciam sequer estar entre nós. Suzi deveria sofrer pena de morte, de preferência com requintes sádicos de crueldade, enforcada, esquartejada e torturada, assim pensam os cidadãos de bem que lincharam Drauzio.
Suzi não estava solta passeando pelo shopping, estava presa, pagando pelo que fez de acordo com as leis do país.Deveriam saber que no Brasil a pena de morte é proibida, e que a pena principal é a detenção com esforço de recuperação do criminoso para voltar à sociedade. A ressocialização não tem qualquer chance de triunfar quando o condenado tem tatuado na sua alma a marca do estuprador, do assassino, do ladrão. Ao contrário, na solidão de sua pena, isolado, sofrendo, só pode acumular ódio e aí sim, se tornar um ser irrecuperável. A visão punitivista além de bárbara é burra.
No episódio do impeachment de Dilma, certo deputado justificou seu voto pela cassação da presidente exaltando o coronel Brilhante Ustra. O militar foi um torturador que introduzia ratos nas vaginas das mulheres presas. Estas que perderam sua liberdade não por estuprar e matar uma criança, mas por pensar diferente, lutar por liberdade. O deputado fez questão de celebrar a tortura da presidente que perdia seu cargo, vítima das atrocidades do regime politico que Ustra integrava.
O então deputado não foi punido por qualquer instituição brasileira, não teve que se explicar em horário nobre, como fez Drauzio, pedindo desculpas à família da vitima de Suzi. Também não foi linchado nas redes sociais pelos círculos conservadores da sociedade.
O parlamentar que deu vivas à tortura e ao torturador virou presidente da República. Eis a hipocrisia de um país que seleciona a barbárie de acordos com suas preferências morais. Um país como esse, não merece Drauzio Varella.
Por Adelson Vidal Alves