Por Adelson Vidal Alves
O desmanche da União Soviética significou o fim da experiência socialista. Daí em diante, o mundo todo se curva ao sistema capitalista, com a exceção de ditaduras e regimes fechados como Cuba e Coreia do Norte. Francis Fukuyama se empolgou, mas é totalmente compreensível, naquele momento, seu decreto de fim da história, com o triunfo final da democracia liberal e a economia de mercado. Quem poderia oferecer risco ao imponente sistema do capital? O capitalismo parecia dominar o mundo sem qualquer força capaz de incomodá-lo. Mas qual seria seu futuro?
Branko Milanovic, economista sérvio-americano, publicou em 2019 “Capitalismo sem rivais: o futuro do sistema que domina o mundo” (Ed. Todavia), um livro ousado teoricamente e de grande relevância para o debate que faremos sobre que modelo econômico teremos nos próximos anos, décadas ou séculos.
O autor inicia com uma interessante comparação entre liberalismo e marxismo, focando em suas expectativas históricas. Dentro de um quadro teleológico proposto por ambas correntes de pensamento, logo se percebe problemas dos dois lados. Pelo lado de Marx, como explicar o fracasso do socialismo real, visto que a história deveria seguir etapas lineares, como bem defendeu o alemão no prefácio da “Crítica da economia política”? A inevitabilidade histórica do socialismo pela via evolutiva de Marx não suporta recuos na história como a vista em 1991. O liberalismo, por sua vez, não consegue explicar uma Guerra Mundial que se ergue para interromper o caminho então parecido como eternamente sustentável da civilização liberal. São dilemas insolúveis tanto para a doutrina liberal quanto para o marxismo clássico.
No que diz respeito ao marxismo, Milanovic apresenta uma tese inusitada sobre o sucesso do capitalismo. E a chave dela estaria no terceiro-mundo. Segundo esta hipótese, as revoluções comunistas periféricas teriam sido uma espécie de ponte entre a ordem feudal e o capitalismo nacional. Isso inverte a lógica de Marx, segundo o qual é o capitalismo que prepara o terreno para a chegada da sociedade socialista. Onde o comunismo deveria surgir, apareceu mesmo foi o domínio do capital.
O que mais me chama atenção na obra é sua distinção entre “capitalismo meritocrático liberal”, representado pelos EUA, e o “capitalismo político”, representado pela China. Vou focar neste segundo.
Para Branko, o capitalismo político seria dotado de algumas características. Listo elas: uma burocracia eficiente, obediência seletiva das leis, autonomia do Estado e corrupção endêmica. Isso significa, que nessa forma de capitalismo prevalece uma elite estatal que dirige o país com competência econômica, garantindo satisfação do povo. Ela não está submetida pelas leis, e por isso, consegue soluções rápidas, pode punir os problemáticos e beneficiar os obedientes. A corrupção, aqui, é inevitável. Dentro destes critérios funciona a China.
O país asiático alcançou números surpreendentes de crescimento, adotando aspectos do capitalismo, como predomínio da propriedade privada e do trabalho assalariado. Os chineses, em algumas décadas, desestatizaram o país, e colocaram as empresas privadas como aliados forçados do regime conduzido pelo Partido comunista. A China nem de longe é socialista, não só pela prevalência de um sistema comercial concentrado na propriedade privada, como pelo aumento constante da desigualdade. O capitalismo político tem exemplo em outros vários países, como Indonésia e Singapura, mas a China é sem dúvida o grande exemplo de êxito deste capitalismo que não aceita controle democrático e nem respeito absoluto às leis.
O trabalho de Milanovic ainda oferece projeções futuras sobre a ordem econômica mundial, algumas de conteúdo abstrato, chamadas de “capitalismo popular” e “capitalismo igualitário”. Propostas estranhas e pouco desenvolvidas, mas que são a parte mais futurista de uma obra que traz enorme contribuição para o debate econômico em nossos dias, mesmo tendo sido escrito antes da pandemia.