Ernani Ferreira – 12/01/2021
Toda modernização, seja ela tecnológica ou conceitual nos faz desejar ventos melhores em favor da sociedade, contudo no setor educacional brasileiro, extremamente importante e estratégico mas muito mal cuidado, onde percebemos que esse mesmo vento sopra contra.
As fusões e aquisições nesta área transformaram instituições de ensino como geradoras de altos resultados financeiros. Os resultados pedagógicos ficaram em segundo plano.
Leia-se frequentemente na mídia que determinado grupo empresarial adquiriu um campus universitário ali e outro acolá e assim se tornando ‘um gigante’ no setor de ensino superior. É gigante pois o importante é ter destaque nas bolsas de valores mundo afora. Compreendo que se o comprador já possui algum (ns) polo (s) universitário (s) evidentemente ao somar outro ficará maior, considerando o número de alunos + área de abrangência + área de atuação etc.
Claro! Esta matemática está correta e ninguém duvida disso, mas venho aqui questionar: e os alunos – razão maior das universidades – tornam-se uma simples matrícula? Uma simples matrícula pagadora de mensalidade? É aquele pagou e levou o diploma? Sim. Esta é a resposta para todas as perguntas.
Educação é para educadores e não para gestores de fortunas.
E o resultado está aparecendo: só 3% dos cursos superiores particulares têm nota máxima em avaliação, enquanto as federais contribuem com 29%. O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) coloca faculdades privadas no fim da fila. O Enade é uma avaliação federal realizada pelos concluintes de ensino superior.
A mercantilização do ensino superior privado tem levado à precarização do ensino oferecido pelas instituições. A prioridade não tem sido excelência acadêmica ou a qualidade do seu ensino – grandes corporações dominam o setor e seu objetivo é o lucro.
Nesse mercado onde se enxerga inicialmente o quanto será rentável um aluno numa instituição, jamais chegará ao entendimento que antes de ver o aluno como uma matrícula, devemos enxergá-lo como fruto do resultado de todo o trabalho de um conjunto de Coordenadores, professores que labutam em prol da construção do conhecimento do discente.
É lamentável, sob todos os aspectos, saber pela mídia das ‘grandes aquisições’. Se tivéssemos um raio x para enxergar os olhos dos gestores da rede privada, com certeza veríamos um cifrão neles vislumbrando altos ganhos financeiros. O ensino virou comércio, como se fosse venda/compra de roupa, carro, imóvel etc.
Não estou aqui para dizer que sou totalmente contra este tipo de movimentação no mercado educacional brasileiro, mas contra o que ocorre no momento que é colocar resultados financeiros acima dos resultados educacionais.
A educação é um direito fundamental e está inserido na Constituição Federal através de seu artigo 205:
“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
A brecha de entrada deste malfadado comércio é que aolongo do tempo o Estado está se retirando gradualmente de sua obrigação e assim abrindo espaço ao poder privado.
Para a professora Marina Campos de Avelar Maia, pesquisadora associada ao Graduate Institute ofInternational and Development Studies da Suíça, observa: “Escolas não são McDonalds e alunos não são hambúrgueres. A complexidade da educação é infinitamente maior. Estamos lidando com pessoas, sujeitos de direitos, que devem se desenvolver plenamente”.
Ver a educação hoje como produto pode trazer retardos irrecuperáveis ao desenvolvimento econômico do país. “O acesso ao ensino superior por grupos historicamente excluídos é fundamental, não apenas oferecendo o ensino a estes indivíduos, mas também com um papel de mudança no perfil socioeconômico do país, um efeito que vai além do próprio estudante e ultrapassa gerações”, completa Marina. “Ao submeter a educação superior ao mercado, com seus interesses e lógicas específicas, todo esse compromisso social e estrutura de trabalho é colocado em risco, ou apagado. O lucro passa a estar acima destas preocupações e funções sociais, e as questões centrais passam a ser lucro e eficiência”, acrescenta.
A educação, seja ela no ensino fundamental, médio ou superior obrigatoriamente deve ser regionalizada com ênfase nas características sociais e profissionais de onde se situa. Não há como criar uma mesma grade de matérias para um determinado curso seja no Norte, no Nordeste ou no Sul do Brasil. Cada região tem suas peculiaridades e necessidades sociais e assim, o ensino vem exatamente para cobrir e atender essas lacunas. De forma a exemplificar, não podemos inserir na escola técnicas de como cultivar no semiárido brasileiro numa escola do sul do país ou como fazer funcionar um motor num ambiente de temperatura próxima a zero grau a alunos no interior do Amapá.
Com essa mercantilização, de longe até parece que é um movimento excelente, porém olhando para o ensino superior, constatamos que os mais expoentes profissionais do mercado de trabalho são oriundos das escolas públicas, que não atravessam esse tipo de comércio. Com isso vemos que enquanto grandes empresários do setor de educação aumentam seus lucros sobre o ensino brasileiro, deixando de lado o fundamental que é a qualidade do ensino, o setor público, mesmo com suas imensas dificuldades burocráticas, ainda assim vem despontando como referência ao ensino superior brasileiro.
Há de se fazer algo com urgência, através de nossos políticos (eu falo dos bons, sem lobby e sem interesses pessoais) para que resolva esse problema. Não podemos, em hipótese alguma, tratar a educação como uma mercadoria que tiramos da prateleira de um supermercado.
A educação é fundamental ao crescimento e modernização de um povo. Sem a educação, há necessidade de mais gastos (não é investimento) em saúde. Há de se entender que colocar recursos financeiros na educação é sim investimento. É instruir o povo a saber escolher melhor seus representantes nas esferas municipais, estaduais e federais. É proporcional: quanto mais dinheiro na educação, menos dinheiro na saúde. Em paralelo a tudo isso, o investimento e acesso em saneamento básico (água potável e esgoto tratado) também é gerador de redução em despesa com saúde.
Ainda temos tempo de resolver esse imbróglio.