Educação e desenvolvimento | Opinião

Por Ernani Ferreira

15/12/2020

Realmente a expressão ‘O Brasil não é um país sério’, erradamente atribuída ao General e ex-Primeiro-Ministro francês Charles de Gaulle, encaixa-se perfeitamente aos dias de hoje. Segundo o jornalista Chico Pereira em seu blog na internet, o autor da frase não foi De Gaulle e sim do diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho, embaixador do Brasil na França entre 1956 e 1964, genro dopresidente Artur Bernardes.


Inacreditável o que foi publicado na imprensa alguns dias atrás que entre as 95 maiores cidades do país com mais de 200 mil habitantes, 79 reduziram seus investimentos em educação e 78 em saúde nos últimos 11 anos (duas gestões municipais completas e outra parcialmente cumprida).

Está provado que o Brasil é para poucos. Enquanto o óbvio é investir em educação para que no futuro não se gaste tanto com saúde, nosso país – 8ª economia mundial – anda de ré.


Países mais desenvolvidos, com destaque aos nórdicos (Suécia, Finlândia, Noruega, Islândia e Dinamarca), a classe política possui em seu DNA o entendimento que investir maciçamente em educação é ter consciência que no futuro colhe-se uma sociedade com mais conhecimento, mais justa e igualitária.

Enquanto o interesse político for maior que o interesse público dos (maus) governantes que alocar recursos financeiros em educação é investimento e não despesa, o Brasil apresentará continuamente números catastróficos em relação a outros países. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2018 – e não mudou nada até hoje – mais de 2 milhões de crianças e adolescentes estavam fora da escola (cerca de 5% dos indivíduos dessa faixa etária). Em paralelo a este estudo, o TCU (Tribunal de Contas da União) fez um levantamento que 5% dos municípios brasileiros não toma nenhuma medida para evitar a exclusão escolar. Pior disso é saber que esses munícipios recebem continuamente verbas públicas estaduais e federais para investirem na educação e que – conforme os dados analisados – não resultam em nada para a população. Daí vem uma pergunta básica: para onde vai esse dinheiro ‘carimbado’? Outro dado alarmante, também oriundo do TCU, é que quase a metade dos municípios brasileiros não sabem o número de crianças entre 4 e 5 anos que estão fora da escola. Realmente podemos afirmar que para parte dos governantes municipais (desde a Constituição de 1988 o ensino fundamental foi municipalizado), que a educação é despesa e não investimento. Com esse raciocínio ficaremos sempre às margens das boas práticas em política educacional em comparação aos demais países com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais elevado os quais seriam nosso benchmarking.


Nesse caminho jamais conseguiremos reduzir nossa desigualdade social. Acredito – e não gostaria que fosse verdade – que ter uma população não escolarizada é mais fácil manipulação política. Esse é o conceito do sub-mundo dos ‘profissionais’ da política. Troca de favores, tapinhas nas costas, aquele ‘gente boa’, cestas básicas etc. são formas de conquistar de forma fácil votos.

Justificando e ampliando os dados acima citados, levantamento do Banco Mundial sobre o número de crianças matriculadas no ensino fundamental brasileiro vem se reduzindo ano a ano desde meados de 1998, com um pico positivo entre 2012 e 2013, mas numa contínua linha decrescente até fins de 2018.

Tentamos compreender: a população cresce a uma taxa exponencial e o número de matrículas não acompanha. Onde está o erro? Estranho entender que dentro desse mesmo período, há uma linha ascendente de crescimento de números de professores até 2005 quando ocorre uma queda abrupta em 2006 e daí em diante numa trajetória de ascendência mas jamais no ritmo até 2005.


Difícil entender? Não. Resposta simples e objetiva e que justifica por si só: quanto menos escolarizada a sociedade, melhor para o político. Educação é ferramenta de cidadania e participação política. A educação tem uma enorme função social e mitigadora de problemas na sociedade. Termos uma população escolarizada é possui maior possibilidade na educação preventiva no que tange ao conhecimento básico de saúde, saneamento, perspectivas profissionais, exclusão social, violência etc.


A Suécia em 2012, sua taxa de crescimento anual do gasto público com saúde chegou a 1,55% de seu PIB, enquanto o Brasil neste mesmo período usou 6,14%. Sobre educação, este mesmo país usou 6,98% de seu PIB enquanto o Brasil usou 5,82% (pasmem mas a Bolívia foi de 7,60%). Isso sinaliza que quando o sentido do vetor é ascendente de investimento em educação, o vetor de saúde é descendente. Claro que sempre haverá demanda por estes serviços pelo poder público, mas direcionando-o de modo a aplicá-lo de forma correta, sempre haverá probabilidade de sobra de recursos para manejo a outras áreas não menos importantes (saneamento, infra-estrutura etc.). Essa é uma prova que um país escolarizado tem a tendência de redução em gastos na saúde e crescimento na educação. Será que isso nossos políticos não enxergam ou não querem enxergar?


Toda eleição, seja ela no plano municipal, seja no estadual e federal e temos a mesma ladainha das promessas políticas: saúde e educação em primeiro lugar.


Chega disso! Parem de mentir. Quando assinam a posse, esse discurso para muitos novos governantes, desce no ralo da esperança do povo brasileiro que deseja uma vida mais digna.

Hoje a educação pública é tratada como uma simples ‘obrigação’, onde se encaixa em sua gestão este ou aquele apadrinhado que às vezes nem sabe o que é IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), quiçá FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). Educação é para educadores como hospital é para profissionais da saúde, contabilidade é para contador, empresas de engenharia é para engenheiros e técnicos da área e assim por diante.

Basta de usar essas áreas fundamentais para loteamento político. Para setores básicos de um município (saúde e educação) deveria ser exigida antes da posse dos gestores, sabatina na Câmara de Vereadores para comprovar sua real experiência e conhecimento da área. Para muitos municípios brasileiros, a prática é qualquer um que se acha conhecedor do assunto e que tenha um bom padrinho político tem real chance de ocupar cargos técnicos e de alcance social elevado.


O poder público municipal que é aquele mais próximo da população e que necessita com urgência modificar sua visão de escola pública. Compreendo que é uma obrigação constitucional brasileira oferecer tal serviço de forma que agregue valor à criança e à sociedade. Hoje vemos por um lado pais de alunos que colocam seus filhos na escola por obrigação legal e que consta no Código Penal Brasileiro em seu artigo nº 246 o não cumprimento (chamado Abandono intelectual) com pena de detenção de 15 dias a um ano ou multa. Por outro lado vemos o poder público cumprindo seu papel em oferecer escolas para os seus munícipes. Só que no meio destas obrigações temos a criança, desmotivada para estudar e que muitas não possuem apoio necessário dentro de casa e nem na escola, que por vezes só cumpre seu papel em oferecer conhecimento. É neste momento que o papel da escola deve ser entendido como a segunda casa do aluno e ali se aprende para o futuro. A partir do momento que a criança perceber que o ambiente escolar
é continuidade de sua casa, elas entenderão melhor seu papel dentro da instituição. Desta forma, desse momento em diante, haverá cumplicidade entre os pais e o poder público (representado na pessoa do gestor das escolas).


Todos nós queremos uma democracia verdadeira e de qualidade superior, então precisamos com urgência compreender que a melhor forma de construí-la é colocar uma única arma na mão do cidadão: arma do conhecimento da educação e da cultura, com a qualidade necessária de sairmos desse abismo educacional, moral e intelectual que o Brasil passa atualmente.